Um funcionário que trabalhava na Mercedes Benz no Brasil, transferido para os Estados Unidos, deve ter todo seu contrato de trabalho regido pela legislação mais favorável a ele, no caso, a brasileira. O mesmo ocorreu com um empregado brasileiro que tinha sido contratado pela Mello Junior Empreendimentos para prestar serviços em Angola. As medidas foram determinadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Os ministros da Corte fortaleceram esse entendimento após o cancelamento da Súmula nº 207, de 2003, em abril do ano passado. A súmula previa a aplicação das leis onde ocorre a prestação do serviço.
Até abril, as empresas tinham dúvidas sobre qual norma aplicar a esses casos. Isso porque a súmula ainda estava em vigor e conflitava com o que estabelece a Lei nº 11.962, de 2009. A norma prevê a aplicação da legislação brasileira quando for mais favorável ao empregado do que a do local onde é executado o trabalho. Gradualmente, a Justiça do Trabalho vinha deixando de aplicar a orientação que contrariava a nova lei. A discussão foi finalizada quando os ministros cancelaram a redação da Súmula nº 207 e já começam a aplicar o entendimento da lei de 2009.
O cancelamento da súmula chama a atenção sobretudo de empresas dos setores de óleo e gás, construção civil e bancos, que mantêm um grande número de trabalhadores brasileiros no exterior.
Segundo a decisão da 1ª Turma favorável ao ex-trabalhador da Mello Junior, o TST já vinha adotando o entendimento da lei mais favorável mesmo antes do cancelamento da súmula. De acordo com os ministros, o princípio da territorialidade – quando se aplica a legislação local – admite exceções, como nas situações em que trabalhador é contratado no Brasil e transferido para o exterior.
Ao analisar recursos da Mercedes Benz, o relator, ministro Mauricio Godinho Delgado, da 3ª Turma, afirmou que a jurisprudência trabalhista, “sensível ao processo de globalização da economia e de avanço das empresas brasileiras para novos mercados no exterior, passou a perceber a insuficiência e inadequação do critério normativo inserido na antiga Súmula 207 do TST” para regular os casos que foram multiplicados nas duas últimas décadas. O que culminou no seu cancelamento e na aplicação da Lei nº 11.962. A norma ampliou a regra da lei mais favorável para trabalhadores de todas as áreas. A Lei nº 7.064, de 1982, aplicava a medida somente para engenheiros no exterior.
Os ministros rejeitaram o recurso da Mercedes Benz e mantiveram a decisão que assegurava os direitos previstos na legislação brasileira para o contrato de trabalho – como férias, 13º salário, recolhimento de INSS e FGTS. O caso é de um auditor de qualidade que recebia cerca de U$ 800 por semana nos Estados Unidos, onde ficou oito meses e posteriormente mais dois meses. Antes, trabalhou por seis anos na companhia no Brasil.
O entendimento tem sido aplicado nos contratos que envolvem cargos altos, segundo o advogado Marcelo Gômara, sócio da área trabalhista do TozziniFreire Advogados. “O posicionamento do TST reafirma, mais uma vez, o caráter protetivo da Corte ao trabalhador”. Para ele, o tribunal não poderia manter a súmula com essa lei em vigor. Porém, a lei em questão traz dificuldades às empresas que contratam brasileiros no exterior e mais uma vez insegurança jurídica. “Há uma proteção exagerada ao trabalhador na norma, que em princípio impede a contratação desses brasileiros”.
Segundo Gômara, diversas empresas passaram a repensar esse tipo de transferência, principalmente as de caráter permanente, após o cancelamento da súmula. Isso porque, ainda que o funcionário não retorne ao país, a empresa deve continuar recolher o INSS e o FGTS no Brasil.
Ele também avalia que a lei ao tratar da mesma forma todos os trabalhadores, desde o canavieiro ao presidente de uma multinacional, faz com que essas contratações fiquem ainda mais difíceis, na opinião de Gômara. “Uma coisa é proteger os empregados mais humildes, outra é limitar essa negociação quando se trata de funcionário bem formado, qualificado, com MBA”.
Além da questão financeira, pois os contratos estão mais onerosos, há a burocracia de se cumprir todos os requisitos da lei, segundo Gômara. Uma empresa estrangeira, por exemplo, ao contratar um brasileiro para trabalhar no exterior deve, conforme a lei, ter pelo menos 5% de capital pessoa jurídica domiciliada no Brasil. Precisará também de prévia autorização do Ministério do Trabalho.
O advogado trabalhista Nelson Mannrich, sócio do Felsberg Advogados e professor da Universidade São Paulo (USP) concorda que há uma proteção exagerada desse trabalhador. Para ele, um funcionário transferido para o exterior já têm inúmeros benefícios financeiros “Abrem-se as portas para que um empregado que já recebeu diversas vantagens e promoções ainda entre com ação judicial ao voltar”.
A gerência da Mello Junior Empreendimentos informou que preferia não se manifestar. A assessoria de imprensa da Mercedes Benz não retornou até o fechamento.
Fonte: Valor Econômico