saito

Entrega com qualidade ainda é desafio para incorporadoras

Fonte: Revista Contrução e Mercado

Superado o problema dos atrasos nas obras, muito comum na época do boom imobiliário, as incorporadoras e construtoras passaram a enfrentar o desafio de elevar a qualidade dos acabamentos nos produtos, de ser mais eficientes no repasse e de melhorar as informações repassadas aos usuários.

Parte desse movimento responde às exigências dos compradores, cada vez mais preparados, e parte atende ao novo conceito de vida útil, incorporado ao mercado pela norma técnica NBR 15.575, que estabeleceu parâmetros mínimos de desempenho para edificações habitacionais.

Marcelo Nogueira, gerente nacional de qualidade na Rossi Residencial, diz que tanto os manuais destinados aos proprietários quanto os manuais das áreas comuns foram aprimorados nos dois últimos anos para garantir que as orientações aos usuários se traduzissem em ações efetivas de manutenção nos prédios – sem as quais a vida útil dos materiais e sistemas seria prejudicada.

“Os manuais ficaram mais completos, com algumas recomendações a mais de manutenção, mas as garantias que já existiam praticamente não mudaram.” As novas informações, segundo ele, envolvem aspectos simples, como, por exemplo, dicas para a desmontagem e a limpeza de pisos elevados – nos residenciais, geralmente utilizados nas áreas comuns.

Os tradicionais guias de referência para a elaboração dos manuais pelas construtoras, frutos de parceria entre o Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP) e o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (SindusCon-SP), também passaram por revisão em decorrência da NBR 15.575, e suas versões atualizadas estão disponíveis para consulta. No site do Secovi-SP (www.secovi.com.br) podem ser realizados gratuitamente os downloads da terceira edição do Manual do Proprietário e da segunda edição do Manual de Áreas Comuns.

Além disso, a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) deve lançar em setembro um guia para aconselhar construtoras, e o foco desse novo documento será na etapa que compreende o fim da obra e a entrega dos prédios. “Ele será um complemento aos manuais do proprietário e das áreas comuns, que atuam em uma área de pós-obra e manutenção”, diz Dionyzio Klavidianos, presidente da comissão de materiais, tecnologias, qualidade e produtividade da entidade.

Na prática
O esforço de comunicação tem sido cada vez mais importante na fase de entrega e implantação dos condomínios, segundo Nogueira. Ele diz que a Rossi costuma contratar uma empresa independente para vistoriar as áreas comuns dos empreendimentos antes da assembleia inaugural. Os laudos emitidos pelos peritos são usados como base para os ajustes finais nos produtos e, depois, na ocupação, esses documentos são repassados aos síndicos dos empreendimentos em apresentações formais dos espaços. Na primeira reunião de condôminos, outro aspecto que passou a ser destacado foi a norma NBR 16.280:2014, criada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para ordenar as reformas de casas e apartamentos no País.

Uma entrega adequada vai muito além de uma boa comunicação no período de implantação dos condomínios, no entanto. Segundo profissionais do mercado imobiliário, ela passa por um planejamento de obra feito adequadamente, organização administrativa para lidar com os trâmites burocráticos e transparência no relacionamento com os consumidores. Na prática, nem sempre as incorporadoras e construtoras estão devidamente preparadas para tudo isso.

O vice-presidente de tecnologia e qualidade do Secovi-SP, Carlos Borges, diz existir ainda, entre os empresários do setor, a cultura de terminar obras sem que todos os espaços estejam em perfeitas condições de uso, o que muitas vezes prejudica os acabamentos e interfere na percepção dos clientes. “Melhorou muito nos últimos anos, mas esse aspecto ainda existe na construção civil.” Todos os sistemas precisam ser testados previamente, segundo ele, para que os possíveis problemas não sejam identificados apenas pelos usuários após a implantação – e o respeito ao cronograma de obras é um dos fatores essenciais nesse sentido.

Outro ponto crítico para as companhias, na avaliação do advogado Fabio Cortezzi, do escritório Saito Associados, é a organização dos documentos referentes aos empreendimentos. Ele diz que falhas e a falta de padronização na papelada dos prédios podem, num ambiente de elevada burocracia, atrasar a emissão do Habite-se e até retardar o processo de repasse dos clientes para as instituições bancárias.

A documentação dos edifícios precisa refletir perfeitamente o que foi executado em obra. E, por ser muito extensa – envolve minutas condominiais, alvarás, autos, certificados, notas fiscais, atestados, licenças -, deve ser organizada sistematicamente durante todo o desenvolvimento do edifício. Nos últimos seis meses de obra, o trabalho de organização deve ser intensificado, segundo especialistas, e, em casos de financiamentos, um esforço adicional deve ser feito três meses antes da entrega.

A concessão de crédito muitas vezes é retardada por inadequações na documentação dos clientes, e não dos incorporadores. Mesmo assim, as empresas devem agir proativamente no período de entrega, na opinião do empresário Emilio Kallas, que também atua como vice-presidente de Incorporação e Terrenos Urbanos do Secovi paulista: “Você tem de ir avisando que o prédio ficará pronto para as pessoas se prepararem para financiar o imóvel. Peça cópia do RG, do CPF e comprovações de renda. Isso já está no contrato, mas não custa avisar”.

Relacionamento

O diretor de tecnologia da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (Ademi-PE), Lucian Fragoso, diz que o contato com os clientes por meio do serviço de atendimento ao consumidor (SAC) é importante para evitar frustrações. “O cliente não entende como o empreendimento pronto e com Habite-se não pode ser entregue. É uma tensão normal de quem está realizando um sonho.”

Além de também defender a calibragem de expectativas, Borges, do Secovi- SP, diz que a comunicação por e-mail com os consumidores pode servir como prova em casos de litígio na Justiça. Por outro lado, ele acredita que os contatos por via telefônica permitem que os incorporadores demonstrem preocupação com o bem-estar dos clientes – a sensação de desprestígio por parte dos compradores é comum em empreendimentos com uma grande quantidade de unidades.

Algumas empresas exploram bastante as possibilidades de um relacionamento próximo. Essa é a estratégia utilizada pela PHV Engenharia, de Belo Horizonte, que tem 1,2 mil funcionários e executa 27 obras atualmente, que somam outros 1,4 mil colaboradores. Durante o acabamento final da obra, faltando aproximadamente 45 dias para a entrega, a empresa organiza um encontro com todos os clientes.

“É o momento crucial do empreendimento, em que compradores e investidores se encontram. E é realmente um evento trabalhado pelo pessoal do SAC, com ‘coffee break’ e apresentação”, diz Rogério Martins Pinto, diretor técnico da PHV. O encontro é realizado na própria obra, para que os clientes visitem as unidades e possam opinar nos últimos detalhes. Finalizada a etapa de construção, é feita a vistoria individual das unidades, pré-agendada, em que a documentação é entregue aos proprietários.

A iniciativa da companhia começou após o boom do setor da construção no País, quando faltaram materiais e mão de obra, gerando atrasos nas obras. “Todos tiveram problemas. A PHV fez um trabalho muito grande, de trazer o cliente na obra e mostrar os problemas. Houve uma interação maior com o cliente e a empresa”, diz Pinto.

Hoje, a incorporadora tem, em seu site, um espaço no qual o cliente pode acompanhar o andamento das obras. No caso residencial de alto padrão Os Inconfidentes, em Nova Lima (MG), por exemplo, a empresa informava que 75% das obras de acabamento estavam concluídas no fim do mês de junho. A entrega do empreendimento, com duas torres, está prevista para setembro.

A PHV realiza ainda atendimentos “pós-obra” por 180 dias e auxilia os clientes nos trâmites burocráticos posteriores à entrega – uma prática comum no mercado imobiliário. “É uma relação de boa vizinhança. É um ‘mais’. Uma empresa que tem um ‘mais’ para oferecer se diferencia das outras”, afirma Pinto. “Não é comprou, pagou, recebeu e ‘tchau’. Não abandonamos o cliente, acompanhamos as necessidades dele.”

Principais cuidados

– A organização e sistematização da documentação devem ocorrer durante todo o processo de desenvolvimento do empreendimento e refinadas por volta de seis meses antes da entrega
– Em função da complexidade do processo de repasse, é importante dar especial atenção à organização dos documentos necessários aos financiamentos imobiliários por volta de três meses antes da entrega
– Realizar uma cerimônia pré-entrega agrega valor à empresa e ajusta as expectativas dos consumidores, evitando frustrações
– Manuais do proprietário e das áreas comuns devem valorizar a orientação de manutenção e uso dos sistemas dos prédios, respeitando a NBR 15.575
– Na fase de implantação, a comunicação deve esclarecer o uso e a manutenção adequados dos espaços entregues e as exigências da NBR 16.280, sobre reformas
– Respeitar o cronograma de obras evita que a entrega seja feita com áreas comuns parcialmente acabadas ou com falhas de acabamento