Artigo publicado no Jornal Empresários em Abril de 2017
* Sergio Vieira é especialista em Direito Civil e Processual Civil da Saito Associados
Recentemente o Superior Tribunal de Justiça retomou a discussão relacionada a aplicação da taxa Selic nas indenizações civis estabelecidas judicialmente. O julgamento do recurso havia sido interrompido por pedido de vista antecipado, formulado pelo ministro João Otávio de Noronha, por entender que a questão deveria ser previamente analisada pela 2ª Seção, especializada em direito privado, e não diretamente pela Corte Especial. A controvérsia afetada à Corte Especial pela 4ª Turma diz respeito a não estipulação de juros moratórios, determinação sem taxa ou quando forem decorrentes de lei, conforme observado no artigo 406 do Código Civil de 2002.
Desta forma, em precedentes relatados REsp 830.189 e REsp 814.157, a 1ª Turma do STJ entendeu que a taxa em vigor para o cálculo dos juros moratórios previstos no artigo 406 do CC é de 1% ao mês, nos termos do que dispõe o artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional, sem prejuízo da incidência da correção monetária. Em outros precedentes relatados REsp 710.385 e REsp 883.114, a mesma 1ª Turma decidiu que a taxa em vigor para o cálculo dos juros moratórios previstos no artigo 406 do Código Civil é a Selic.
A opção pela taxa Selic tem prevalecido nas decisões proferidas pelo STJ, como no julgamento do REsp 865.363, quando a 4ª Turma reformou o índice de atualização de indenização por danos morais devida, que inicialmente seria de 1% ao mês, para adotar a correção pela Selic. Também no REsp 938.564, a turma aplicou a Selic à indenização por danos materiais e morais.
Oportuno se torna destacar o caso específico do REsp 1.081.149 afetado à Corte Especial e relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, no qual uma mulher ajuizou ação declaratória de inexistência de dívida com pedido de indenização por dano moral, contra uma companhia de seguro de créditos, em vista de ter seus documentos pessoais falsificados, tendo por cautela registrado boletim de ocorrência policial e incluído nos cadastros da Câmara de Dirigentes Lojistas a informação “documento clonado”, ao lado de seu nome e, a empresa determinando a inscrição de seu nome em cadastros de inadimplentes, em razão de dívida contraída por terceiros valendo-se da documentação falsificada.
O juízo de direito da 14ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre julgou os pedidos procedentes, reconhecendo a inexistência da dívida, determinando o cancelamento da inscrição indevida, bem como condenado a companhia ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3,8 mil, atualizada pelo IGP-M e juros de 12% ao ano. Não se conformando com decisão, a autora apelou e em grau de apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu parcial provimento ao recurso elevar a indenização a R$ 7 mil, fazendo incidir correção monetária e juros moratórios somente a partir da data daquele arbitramento. Novamente a autora recorreu ao STJ, sustentando que os juros moratórios e a correção monetária advindos de relação extracontratual devem incidir a partir do evento danoso, citando as Súmulas 43 e 54 do STJ e não do arbitramento da indenização.
O julgamento desse processo é a oportunidade para o STJ firmar seus entendimentos sobre a incidência da taxa de juros moratórios em dívidas civis, o momento inicial e a exata delimitação do que seja responsabilidade contratual e extracontratual para efeitos de incidência de juros e correção monetária.
Insta salientar que a jurisprudência já pacificada no STJ, conforme súmula 54 definiu a contagem para incidência dos juros moratórios em responsabilidade extracontratual a partir do evento danoso.
Em relação à correção monetária na indenização por danos morais, conforme Súmula 362, a correção monetária deve se dar desde a data do arbitramento.
Isso significa que os juros moratórios e a correção monetária decorrentes de responsabilidade extracontratual fluem a partir de momentos diversos – os juros moratórios a partir do evento danoso e a correção monetária, em caso de dano moral, a partir do arbitramento do valor da indenização.
No caso de responsabilidade civil contratual, a jurisprudência determina a incidência de juros a partir da citação ou do vencimento da dívida, conforme inúmeros precedentes julgados pela Corte Superior.
A controvérsia que ainda persiste no STJ não envolve o momento, mas o percentual que deve ser aplicado para efeito de correção da dívida. Para o ministro Luis Felipe Salomão, a taxa Selic engloba juros moratórios e correção monetária em sua formação e sua incidência em dívidas civis pressupõe a fluência simultânea de juros e correção, fato que não ocorre em indenizações civis (Súmulas 54 e 362).
Assim, defende o ministro, é necessário harmonizar a aplicação da Selic com as Súmulas 54 e 362 do STJ, que estabelecem a contagem de juros e de correção monetária em períodos distintos.
Para o relator do recurso afetado à Corte Especial é exatamente pelo fato de englobar em sua formação tanto remuneração quanto correção, que a Selic não reflete, com perfeição e justiça, o somatório de juros moratórios e a real depreciação da moeda — que a correção monetária visa recompor pelos índices de inflação medida em determinado período.
“A Selic não é um espelho do mercado; é taxa criada e reconhecida com forte componente político — e não exclusivamente técnico —, que interfere na inflação para o futuro, ao invés de refleti-la, com vistas na economia de um período anterior e na projeção para os próximos meses, em consonância também com as metas governamentais”, entende Salomão.
Para ele, a adoção da Selic para efeitos de pagamento tanto de correção monetária quanto de juros moratórios pode conduzir a situações extremas: por um lado, de enriquecimento sem causa ou, por outro, de incentivo à litigância habitual, recalcitrância recursal e desmotivação para soluções alternativas de conflito, ciente o devedor de que sua mora não acarretará grandes consequências patrimoniais.
Para Luis Felipe Salomão, a adoção da Selic na relação de direito público alusiva a créditos tributários ou a dívidas fazendárias é inquestionável, mas não há motivos para transpor esse entendimento para relações puramente privadas, nas quais se faz necessário o cômputo justo e seguro de correção monetária e juros moratórios, “atribuição essa que, efetivamente, a Selic não desempenha bem”.
O julgamento foi interrompido por pedido de vista logo após a apresentação do voto do relator, devendo ser retomado neste ano de 2017 e, caso os demais ministros tenham entendimento semelhante, o recurso terá parcial provimento para descartar a incidência da correção monetária a partir da inscrição indevida, sendo que a indenização por danos morais, para efeito de incidência de juros de mora, deve ser considerada sempre responsabilidade extracontratual.